sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

passados, presente, futuros

As fotos passavam rápido demais. Até que ela descobriu que dava para parar. Então parou em uma delas. Não acreditou. Reconheceu primeiro um amigo do passado e depois "não acredito...sou eu!". Era ela ali. Lá onde ela era. Tocava pandeiro, de pé. "Não é possível... é ele também..." reconheceu outro amigo, bem mais do peito, também ali. Perdidos no mar sem fim da rede, que agora pescava essa pérola do tempo. Congelada, com outro som sobreposto, mas ainda assim, a imagem completa, distante mas reconhecível. O pesonagem principal da época não figurava, talvez estivesse atrás da câmera. Talvez no momento dessa foto, já caminhasse forçozamente para cena coadjuvante. Outras forças arrebatavam a atenção dela. Forças que ela mesma engendrara, ainda que inconscientemente, inconsequentemente. A lembrança daquele dia quase que doeu. Relembrou com nó na garganta... Aquele dia já não era o dos mais felizes. Sua vida já seguia caminhos de encruzilhadas sem volta, cujo peso começava a vislumbrar. Peso que ganhava mais peso a cada dia e se tornava o centro gravitacional de sua vida. Pensava: "como é mesmo que era ser antes, bem antes?" Não sabia muito bem... As vezes achava que era de um jeito, as vezes achava que nem era ela. O fato é que a foto mexeu em passagens que jaziam plácidas nas profundezas de seu ser. Pôde relembrar momentos. Pôde colocar o dedo em feridas antigas e remexer até que o sangue delas vertesse novamente, trazendo calor e vida às superfícies. Ela olhava o passado. Como que se o passasse à ferro. As rugas e amassados eram alisados e ele se apresentava alinhado. Ela o admirava, saudosa e condoída. "Que poder é esse?" pensou. Não entendia como essa ausência pregnante podia lhe exercer essa força, essa atração como se fosse a melhor coisa do mundo. Assim era o passado para ela. Não todo o passado, mas alguns momentos que ela escolhia para relembrar e sentir dor. Uma dorzinha miuda, mas crônica que permitia alguma continuidade em sua existência. Memória. "Por que a minha tem que doer?" Pôs-se logo a pensar no futuro, como que para comparar se a dor era uma constante em sua vida. "Ufa!". Pensar no futuro era estimulante. Como que o oposto daquela dorzinha. Se o passado parecia cavar, o futuro enchia. A sensação de si que permanecia nas duas situações era embassada. Como espelho, depois de um banho longo de inverno. Nesse embasso, procurava figuras, mas só achava fundo, fundo, cada vez mais fundo. Percebeu seus ombros. Reparou que começavam a pesar e resolveu parar com aquilo. A tentativa de compreender suas impressões pesava nos ombros. Acendeu um cigarro. Lembrou que não fumava mais. Lembrou que nunca havia fumado, mas se fosse num romance do começo do século, teria que acender um cigarro. "São 23:40". Presente. O presente a fisgou. "Nossa!" se o passado doía e o futuro lhe aprazia, que sensação carregava o presente? Ela se pôs a pensar e já não mais sentia. Parou. O presente soava como um gongo mudo. Mas ela não podia nele se deter, pois que se lhe escapava. Só sentia as vibraçoes. Ressonâncias de vida que merecem uma atenção descontraída. Atenção igualmente flutuante, como diriam os psicanalistas. E nessa descontração, já sentia os ombros mais leves e percebia que a vida tinha de ser vivida já. Agora. Apagou o cigarro que não tinha acendido e foi viver. Já havia pensado o bastante, por hora.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

...

Então lhe digo: "...". Suspensa no silencio, tento te contar. Tento te dizer. Mas não tenho o que dizer. Tenho a vida nos meus olhos a irradiar sobre você meus olhares: quero ser com você. Quero ser com. Quero ser.
Já sou, estou indo, a vida caminha, eu caminho pela vida...Mas você existe, e isso é o bastante. Todo esse universo alheio a mim, com suas ranhuras e curvas, tropeços e despertadores. É difícil te acordar. Por que?
Enquanto vc dorme, seus sonhos me expulsam da cama. Além de passageira, sou exilada... Mas mesmo assim, quero estar por perto. A curiosidade é boa companhia. A curiosidade que tenta saber de você. Não quer saber de fatos, fotos ou fofocas. Quer saber como é ver o mundo daí. Que sabor tem o cotitiano, essas horas desperdiçadas nos fazeres automáticos? Que gosto tem? Tem gosto de café? De cabo de guarda-chuva? Quando você espera, prá onde se dirigem seus olhos? Nessa cidade não tem mais outdoors apelativos... Você já reparou nas núvens? Já viu que depois da chuva, quando faz sol, as folhas das árvores parecem mais vivas do que nunca? Já olhou de cabeça prá baixo a paisagem? Gosta do cheiro de chuva? Nunca deveria te fazer essas perguntas... É melhor ficar quieta. Já sou estranha o bastante.
Mas mesmo em silêncio te pergunto. Como se você tivesse as respostas. Como se a vida pudesse ser reposta por você em meu lugar. O que quero não é muito, não quero te roubar, te ocupar, te prender. Só quero saber se o amor existe prá você. Que cor e que som tem. Mas com palavras não consigo te perguntar. Então passo. Vejo o tempo passar, olho pro horizonte. Espero. Espero. Não sei bem o que. As vezes dói, as vezes me faz rir. Não sei o que é isso, que nome tem. Mas você deve saber...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

a vida

Viva à vida!
a vida viva
ávida, grávida de vida.
A vida convida e aceito.
Provida de vida,
provinda da vinda
devidamente encorporada
devidacorpo mentalizada
vivificada, envivecente,
envivecida e evanescente.
Sinto a vida verde
a verdade da vida.
A ver, a ouvir, a tocar, a persistir
Sou vida
Selvagem
sou selva verdade.
Sou seiva pulsante
Selvidagem
Sou vagem.
Sou vargem
Sou centro sem margem
desfaço em vida
por essa paisagem
me encho de vida
me faço passagem.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Noite de Chuva

Chove...Cá estou eu só. Só ouvindo a chuva. Ouço a chuva ou as gotas a cair? Não sei. O que é a chuva? Também não sei. Apenas a presencio. Cada gota que cai só, logo encontra o chão e já vira poça, não é mais gota. Atravessou o céu, teve sua forma própria e chegou ao chão. Posso ouvi-las tocar o chão, uma a uma. Mas posso ouvir como chuva todas elas caindo... É apenas noite. Se a poça crescer, poderá virar enxurrada, correr pelas ruas e, se sobreviver à madrugada, terá a chance de atravessar a aurora, louvar o sol nascente, para então resistir a sua ação até o ponto em que se desprenda do chão e retorne, em vapor, aos céus. E lá, só deus sabe o que acontece. Mas ainda é noite. Ouço o martelar de Thor. Ou será São Pedro arrastando os móveis? O discurso estéril diz que é tudo bobagem, que são apenas vibrações de ar deslocado pelas descargas elétricas. O discurso estéril que fertiliza a técnica e cria muitas coisas. Mas voltemos à noite e a solidão. Ou será solidariedade às gotas de chuva? Alguns ouvem nostalgia. Alguns nós ressoam, algumas gotas me dizem. Mas o pranto canta em chuva. Nós somos. Soma. Corpos visitados de admiração da vida pelo toque e calor. Aquele toque que conta da verdade da vida. Aquele calor que vive e se espalha. Dissipa, mas não cessa de se refazer. Como as gotas, que seguem seu caminho. Gotas, toque, calor. Calor, toque, gotas. Vida, se as condições assim o permitirem.
Retorno ao som da chuva. Está quente. Estou só. Tocando em frente, em busca do gesto que seja, do gesto que seja encontrado, do gesto que encontre outro gesto. Nele se desfaça ilusoriamente para se reencontrar menos só. Solidário. Esperança combina com chuva? Acho que sim. A chuva deixa as plantas mais verdes e há quem diga que essa é a cor da esperança.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

o amor (revisitado)

O amor é uma música bela de alguma sorte que é sem refrão
O amor engendra encontros de vida ou morte pra um coração

O canto que rasga o mundo, explode os sentidos
em estilhaços na pele, feito poeiras ao sol
Ecoa e vai sendo ouvido até lá na frente
Pra além de qualquer cidade, por toda essa estrada

O amor é uma música nova de alguma sorte que eu quero ouvir
O amor é um quadro do dia que em seu avesso continua a existir

O riso que encontra o fim dos lábios e escapa
sem esperar seu momento restando ao rosto corar
Não busca nada, parando o tempo dos olhos
Nos olhos que nesse instante desfazem em céu e mar

O amor é uma música fugaz de alguma sorte que exige replay
O amor liga caminhos (in)versos de um universo sem sol nem lei.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A procura do barco

Já estava em alto mar...
Naufrago.
Aprendendo deixa-se levar pelas marés.

Mas no horizonte vejo um barco
o sol nele brilha e vejo
miragem?

se aproxima, posso tocá-lo.
fecho os olhos, ainda o sentindo...
acordo.

Foi só um sonho?
Ou já estou na praia?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

mais um dia

outro dia
outros ares
outras faces
humores esfacelam e se desfazem

eu, você, mero acaso
se é o caso de se pensar em nós.
Nossas almas ressoam
aquele lá maior que espera por nós

Nós que liguem os fios,
os trapos dessa malha
que restou da condição humana
hoje estrupiada e esfolada

Será por isso que é difícil dizer
nós somos, seremos ainda?
a permanencia é transitória,
os paradoxos soam senso-comum

Ainda resta algo comum?
Os sentidos sobreviverão
aos raios de sol?
Serão encinerados ou irão desabrochar?

O sol, você e eu,
estamos todos no mesmo barco,
somos todos corpos terrenos ou celestes
atravessando

se a travessia for possível
nos encontraremos
nem que como paralelas
nem que seja no infinito.

sábado, 29 de setembro de 2007

Preciso

Preciso do tempo
pra lembrar de mim
pra te ver melhor:
o verde de nós

Preciso do tempo
Aquele que passa
mas deixa a gente
Sinal de fumaça

Preciso do tempo
que sopre a poeira
de cima de ti e faça glória
Grãos de areia ao milhares
Cintilando pelos ares
Numa chuva em pleno sol

Preciso do tempo
e do movimento
que dá sentido
pra onde eu vou

Preciso do tempo
que faz a memória
contando a história
da gente, meu bem

Precindo do tempo e por isso mesmo
agora não há, agora já era
outrora já fora
e não se lamente
pois neste presente
cultivo um lar para mim

E essa morada
que seja meu templo
que não vem sem tempo
pra eu descansar

Preciso do tempo
pra olhar pra mim
e vendo de dentro
poder caminhar

E que nesse tempo
que eu não me perca
já que solta ao vento onde irei parar?

Preciso do tempo,
preciso do vento
Sem algum templo
Já sei, não vai dar

Levada no vento
em meio à poeira
perdida do centro
posso me acabar

terça-feira, 25 de setembro de 2007

uma poesia de maio de 2007

Do alto da ponte a visão é densa
massa turva e compacta da destruição
outrora houvera águas límpidas? Vale habitável?

Não posso ver
O peso da paisagem me inunda
odres fétidos, asfixia carbônica;
o peso da bagagem, aridez de ar e sol.
Sinto muito...

Sentidos, sentenças, ruminação
velhas feridas, desesperança;
a brisa de maio, de dia lindo,mas de outono,
faz ressurgir nostalgia.

Sensação da velha estranheza
essa companhia solitária que desacomoda a vista,
amplia o mundo e dimensiona
a insignificância sem brilho das ações

Minhas ações. Alucinações
de oásis no deserto do real.
Desertar? Jamais...
Deter-se mais no muito que sinto

Inspirar, sentir, colher sentidos na inspiração
e neles afundar até que a inevitável
expressão os despoje de mimfaça-os mundo por mim
sem emergência, devagar.

Como oráculos sagrados
em orações coordenadas e dialogo tônico.
Faz-se possível a ilusão: nas pontes da linguagem
invento e descubro minha travessia.

Inauguração

Estou inaugurando esta nova porta, de entrada, de saída, de passagem,
mesmo que virtual, cria essa intersecção, essa sobreposição, malha de realidade entre eu e você, entre mim e ti, entre nós...
Abri o caminho e por enquanto estou só...

Comunicação

Comunicação
Entre Terra e Céu: Chuva

Ondas de Minas

Ondas de Minas
manhã de sábado